Dentro da minha prosa vai um mundo de sentimentos que jorram; seja pelo meu espírito inquieto, seja pelo meu refletir incessante sobre as pessoas, minhas relações para com elas ou minha e delas para com o mundo. O meu sofrer nas letras nem sempre representa só o meu coração, algumas vezes é a interiorização de emoções que sinto ao meu redor, ou imagino em mim.
Para os que têm como eu, a veia entupida pelas letras, a sensibilidade na pele e a cabeça em constante ebulição pelos pensamentos, a inspiração insiste em dotar com criações, que para alguns pode parecer incompreensíveis, mas que para outros tantos que o sentem e não conseguem exteriorizar, nessas criações se enxerguem pura e simplesmente.
O corpo só vai onde a cabeça comandar para ir, o mesmo não acontece com os pensamentos que são livres e nunca cessam.
O fascínio do pensar, de refletir está justamente na relação que se pode ter com as palavras e as letras; que pode ser para espelhar sonhos intangíveis ou simplesmente colocar no papel verdades advindas da observação constante e criteriosa.
O laboratório da prosa
Angélica T. Almstadter
O mundo da minha prosa vai além das palavras. O que parece um
quebra-cabeças bem montado, ou um intrincado bem organizado de palavras escolhidas com cuidado é também um registro de emoções e sensações variadas. Jamais uma prosa é simplesmente um conjunto de palavras, dentro desse contexto de sentimentos explicitados há uma dose considerável de fantasias, que se misturam a cheiros imagináveis, delírios e devaneios.
Algumas pessoas nem tem a sensibilidade para perceber que dentro de uma prosa, as vezes desconexas ou desprovidas de razão, salta aos olhos sentimentos tão vivos e tão palpitantes, muitos até desconhecidos por uma porção de pessoas, por que incluem vivência, experimentação. Dizer que o poeta é um fingidor e que finge tão bem, que acredita no que vive,
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
como disse Pessoa, é uma verdade de que não se pode fugir, entretanto a alma do poeta é por si só um grande laboratório para sua escrita, assim ele só será verdadeiro se viver o que escreve, ainda que seja solitário nessa vivência.
Ou se seja, é preciso experimentar todas as sensações e emoções, mesmo empiricamente, para se poder traduzi-las em palavras. Ninguém domina na escrita o que não conhece profundamente, ou antes, ninguém finge tão bem se não conhecer na própria carne a dor do corte. Parece fácil falar de sentimentos e coisas íntimas quando se tem as palavras à mão, mas palavras ditas sem sentimentos são vazias e sem o menor valor, eu não saberia dispor em linhas ou entrelinhas palavras simplesmente ocas, penso em cada verbete que uso como um veículo para carregar sentido para o conjunto que componho. O meu mundo é pleno de sentidos, sensações provadas ou à serem experimentadas, emoções, e uma carga enorme de paixão. Minhas mãos podem eventualmente estarem vazias, o meu espaço físico pode ser solitário, mas o meu mundo interno é complexo e extremamente povoado.
Há quem diga que expor as sensações todas de forma tão nua, é uma forma narcisista de se colocar no mundo ou um apelo de carência, eu não diria que concordo ou discordo, mas que tenho sim outra visão; penso e acredito na troca de energia entre pessoas que comungam de ideais e idéias, e partindo dessa premissa, essa exposição vira um grande balão de ensaio, onde todos os envolvidos doam e recebem, crescem todos emocionalmente, espiritualmente e enriquecem todos intelectualmente.
Por pensar dessa forma e por pensar num mundo onde a harmonia das palavras e de sentimentos é fundamental para a união das pessoas e para o autoconhecimento, é que decidi soltar a minha voz, sem me perturbar com o ruído que ela possa causar. Enquanto cá dentro de mim, há uma revolução interminável, e uma imensa vontade de experimentar a vida em toda a sua essência, eu me permito ouvir os meus barulhos; esses demonstram a vida aprisionada cá dentro querendo explodir em muitas lavras.
O mistério que há dentro de cada um de nós é o que nos torna fascinantes. Por mais que se possam espionar as pessoas, aonde vão e como se comportam: seus pensamentos são invioláveis e nesse grande mistério é que reside, a beleza do descobrir o outro, a incerteza do futuro.
O dia de amanhã está por ser escrito e cada um terá a sua parte na construção desse amanhã; alguns contribuirão com gestos, outros com palavras, outros com suas invenções, criações e até com seus erros e dessa experimentação é que se faz a vida.
Dentro de cada pessoa se move uma história paralela a que se move do lado de fora, nos gestos e na experimentação da vida, que quase não vem à tona. A pessoa que somos interiormente quase nunca é conhecida pelos outros e muitas vezes nem por nós mesmos.
Poucas são as pessoas que se interiorizam a ponto de se questionarem a fim de se conhecerem mais intimamente, falta tempo e sobra falta de interesse e até muito medo. Medo do que se possa encontrar nesse desconhecido eu que temos lá no fundo. É muito mais fácil lidar com o eu que levamos para o mundo, já que esse eu é o que sabe vestir máscaras, sabe mentir e sabe representar.
Brincamos de esconde-esconde para fazer da vida alguma coisa muito mais agradável do que é realmente e quando somos surpreendidos com o peso da realidade o resultado quase sempre é desastroso; adoecemos. Entretanto não se pode viver como num conto de fadas se escondendo da realidade; ninguém agüenta viver de realidade 24 horas, como não se pode viver 24 horas de sonhos. Mas quem saberia o limite considerado equilibrado, já que cada um tem necessidades diferentes e constituição física também diferente.
Não há regra para se viver no tocante à experimentação emocional, nem poderia, o que há são pessoas mais ligadas às coisas da matéria e pessoas com maior intimidade com as coisas do espírito, o que não quer dizer que uma e outra não possa ter experiência com as duas coisas. A cada um, segundo a sua sensibilidade.
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